Sentou na cama e girou o pescoço lentamente para um lado e depois para o outro. Sentada, as coisas adquiriam certa consistência, mas mesmo assim ela continuava pertencendo a outra realidade, supra ou infra. Pôs os pés para fora da cama e procurou os chinelinhos felpudos, que a mãe insistia em deixar no banheiro para depois do banho, mas não para ela, que para ela tudo existia para ser fruído, usado, sugado por seu dono ainda em vida.
A lembrança da mãe a fez sorrir para a estância interior onde conviviam seus sonhos e memórias numa pequena caldeira caótica.
Não achava ruim encontrar todo dia as mesmas coisas a sua volta, a sala com os dois abajures verdes e aquelas cadeiras que lhe davam a impressão de estar num museu da Primeira República. Implicava mais seriamente com as cortinas rendadas de um tom creme-dúvida (seriam brancas amareladas ou cremes de verdade?), mas não tinha nada que se meter no gosto da mãe e no modo como arrumava a casa.
Entrou na cozinha atrás de um copo de suco, que sempre tomava em jejum, e esse sempre vibrou em sua cabeça como uma lâmina. Foi súbito. Sempre lhe pareceu uma enormidade. As mesmas coisas seriam o mesmo que sempre? Se era assim, então precisava de um olhar muito mais possante, talvez equino, para encarar o que aquela vida lhe oferecia. Voltou ao quarto sem o suco de laranja, e logo à porta reparou na bonequinha de metal torneado, meio tocado de amarelo, pendurada desde toda a eternidade na chave daquela porta cansada de ser branca. Notava de repente como as coisas são profanadas pelo tempo, e fez um esforço de realinhamento que não surtiu efeito.
Seu barco fazia água. Urgia aliviar o peso da carga a bordo. A bonequinha de metal torneado voou janela afora com um pequeno ruído que lhe pareceu um acorde promissor. O quadrinho de figura desbotada, moldura rococó descascada nos dourados, seguiu a bonequinha com um pouco mais de estardalhaço, porque foi aterrissar na área de serviço de um vizinho meio azedo que logo se fez ouvir. Mas aliviar-se do peso do dia-a-dia era tão instigante, que Teresa logo se viu munida de uma sacola funda e espaçosa, dentro da qual couberam todas as quinquilharias e badulaques varridos por seus olhos naquela manhã. Entre elas o relógio das sete horas, as caixinhas desconjuntadas da coleção da estante do corredor e umas flores esquálidas que pendiam desde sempre do aparador da sala.
Os olhos brilhando, sentou no chão da cozinha com uma manga e uma faca. Não se lembrou mais da mãe, que chegaria à noitinha, e já imaginava a manhã seguinte, quando pretendia mudar alguns móveis de lugar.