Natal nos pega pelo pé, cria crostinhas de açúcar no coração e nos obriga a façanhas em que normalmente não nos jogaríamos de cabeça como nesses dias. Natal é um pouco covardia, mas é também alegria, que rima, e vontade de fazer coisas inusitadas. Alguns bebem demais, outros choram piscinas diante da família reunida; outros ainda comem demais, e talvez seja esse o resultado mais frequente. Mas quando chega o 24 de dezembro, a gente lembra de presentes que não comprou, corre ao shopping, que nos recebe de braços abertos para comprar mais e mais, e de punhos fechados para nos dar mil e um esbarrões no povo que vaievem sem olhar para onde anda, porque não dá pra ver onde anda. Na hora dos presentes, amigos ocultos ou exibidos, ocorrem alguns malentendidos que no entanto não conseguem empanar o brilho da estrela que pisca na árvore. No fim todo mundo se abraço, ri, espalha papel e sacolas pela casa, e como o dia que entra é feriado, não tem empregada pra arrumar e fica tudo assim mesmo, que ninguém é de ferro. Dorme-se até o meio-dia ou mais, e aí continua a comilança, o almoço cresce na mesa, a toalha mancha de vinho, cervejinhas, refrigerantes das crianças e molhos variados, mas tudo deve ficar na santa paz da sujeira abençoada.
Os mais religiosos se revoltam levemente (cada vez mais levemente) com tamanho materialismo, mas ficam na deles (ou não, caso em que a família tenta ignorar qualquer voz dissonante, já que todos estão muito satisfeitos). Mas o tempo passa, as horas estão mais rápidas agora (dizem) e daí a uma semana será janeiro, entrando triunfante depois de mais uma noitada de comes e bebes, dança, passeios, farras homéricas ou moderadas. Praias cheias, ruas nem tanto, e a perspectiva de tudo recomeçar como era antes, porém enfeitado por sonhos novos.
Essas seriam as boas festas que costumamos desejar aos amigos e conhecidos.
Para alguns, nem tão poucos como se imagina, as festas acontecem numa solidão de tons menos ou mais sombrios, mas às vezes até bem-vinda.
Não faz mal. Que cada um tenha o Natal e ano novo que deseja, que lhe faz bem, e que o ano comece tranquilo. Melhor que isso, só no ano que vem.